FUI MORDIDA POR UM GATO (AZAR, CETICISMO E CARL SAGAN)

Fui mordida e arranhada por um gato. Não o gato que eu queria (ha), mas o felino, o bicho, o animal mesmo.

Como com tudo que acontece comigo, minha cabecinha incessantemente pensante não tardou a matutar, questionar, chegar a conclusões e certezas somente para depois abandoná-las (voltarei a esse ponto).

Começo contando a historinha do ocorrido: eram 5:30 da manhã, horário em que saio de casa para minha corrida matinal (sempre ela - muito perigosa, com coqueiros cheios de cocos e felinos à espreita). Logo na garagem de casa vi um gatinho muito fofo, apesar de aparentemente maltratado, com algumas escaras e um olho cego. O bichano veio em minha direção, deitou nos meus pés, ficou de barriguinha para cima e se roçou ronronando nas minhas pernas. Claro que me ganhou.

Pensei: "vou ao menos dar água pro tadinho" e voltei com um pote improvisado em mãos. Ao me abaixar para depositá-lo no chão, PRONTO, o meliante abocanhou e arranhou meu pulso, fugindo logo depois do crime. Até agora não entendi o que aconteceu - provavelmente já tenha sofrido na mão de outros seres humanos.

SANGUE. Bastante sangue (insira aqui um exagero dramático da minha parte). Limpei o sangue com água e esperei até as 7h para ir ao posto de saúde mais próximo. Quando cheguei lá e expliquei minha situação fui recebida com risadas e a frase "um gato? mordeu? Tem antirrábica aqui não, só no Primeiro Centro".

Aqui acrescento um triste adendo sobre as condições em que encontrei o que um dia já foi um prédio bonito e bem cuidado: a UPA (antigo Primeiro Centro de Saúde) próxima ao Mercado Municipal encontra-se em estado de total abandono, parecendo uma construção recém bombardeada em uma guerra qualquer. Aproveito também para deixar registrada a forma como fui muito bem atendida por todos os profissionais, desde os recepcionistas até a equipe de enfermagem, que faz milagres num local que não tem nem álcool em gel. 

Tá. Tomei a vacina antirrábica e recebi a notícia de que teria que retornar para mais três doses. SACO.

Foi nesse momento que minha mente agitada começou a refletir. Desde o começo do ano uma série de infortúnios vem acontecendo comigo, o que me levou a pensar que estou passando por uma "onda de azar". Contabilizando: no Réveillon, minutos antes da meia noite, escorreguei, caí no chão e ralei o joelho. De lá para cá quebrei um espelho e dois vasos, prendi o dedo na porta, caí de bunda no chão no treino funcional, derrubei e quebrei meu celular.

Azar? Mas eu não acredito nessas coisas (diz minha metade racional materialista-dialética). Foram apenas eventos aleatórios que, por saírem um pouco da curva da normalidade, me fizeram prestar atenção a eles e então estabelecer um elo sem fundamento algum. "Mas é muito azar, um gato me mordeu!" (fala a bruxa natural que mora num chalé aconchegante cheio de ervas secas penduradas, num cantinho da minha cabeça).

Recorri a Carl Sagan: "O universo não parece ser nem benevolente nem hostil, apenas indiferente às preocupações de criaturas tão insignificantes como nós".

Também como estudante de Psicologia tenho que levar em conta a ocorrência da apofenia - termo cunhado por Klaus Conrad -, que consiste num fenômeno cognitivo em que nossa mente busca conexões e padrões entre dados ou acontecimentos aleatórios. Sim, nosso cérebro tenta a todo custo compreender o mundo ao redor e, por isso, criou mecanismos como esse que, às vezes, podem nos levar ao engano.

Taí a importância do ceticismo científico, do pensamento crítico e do permanente questionamento perante a realidade que se apresenta a nós. Até chegarmos a alguma conclusão sobre algum fato, esse passa por filtros ideológicos, cognitivos, culturais, biológicos e sociais. Assim, essa conclusão pode sair meio torta, não correspondendo à materialidade.

Não, não sou azarada. Não há uma nuvem negra pairando sobre a minha cabeça e determinando que coisas ruins aconteçam ao meu redor (calma, bruxinha, pode continuar brincando com suas ervas e seu caldeirão).

Fui mordida por um gato. Só isso.

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